Assuntos de família
O quadro depressivo ou ansiogénico não é só da criança ou adolescente…
Perante o diagnóstico de uma perturbação ansiogénica ou depressiva é frequente que os pais – ou outros cuidadores, nos casos em que a criança ou adolescente não cresce com os progenitores – se sintam postos em causa no desempenho do seu papel. É importante que percebam que existe uma multiplicidade de factores que contribui para o aparecimento de um quadro sintomático e que, ao colocarem-se em causa, em nada estão a contribuir para a resolução das dificuldades. O que importa não é procurar a génese, mas focarem-se em encontrar o melhor caminho para que o seu filho tenha um desenvolvimento o mais saudável possível e recupere o bem-estar.
Sobretudo depois de encontrar acompanhamento psicoterapêutico, muitos pais sentem que os filhos já estão “entregues” e a iniciar o caminho da “cura” (conceito a que a maior parte dos psicólogos são avessos) pelo que, com alívio, se afastam ou, mesmo, demitem do processo. Se considerarmos que existem muitos factores de risco para o aparecimento de um quadro depressivo ou ansiogénico e que, sobre alguns destes, os pais podem ter controlo, estes serão os aliados privilegiados do psicólogo. Esta articulação deve estender-se, ainda, a outros contextos em que a criança se move, como sejam a escola ou a família alargada.
Embora existam diferenças em relação à forma como os pais podem ajudar os seus filhos, consoante as patologias apresentadas e a idade, apresentam-se algumas linhas gerais que podem ser entendidas, igualmente, numa lógica preventiva – seja do aparecimento de quadros depressivos ou ansiogénicos, seja no decurso da intervenção ou, seja, ainda, para prevenir recaídas.
Como é que pode ajudar o seu filho com depressão ou ansiedade?
- Em primeira instância, procurando informação. Por mais que depressão e ansiedade se tenham tornado parte do vocabulário corrente, é importante conhecer as especificidades do quadro clínico da criança ou adolescente em causa.
- Transmita que a ansiedade e a depressão são frequentes – há muitas crianças e adolescentes a passar pelo mesmo. Na mesma linha, também se deve tentar aliviar o “peso” que o diagnóstico pode criar. Se considerarmos tratar-se de uma criança ou adolescente, ainda mais cautela devemos ter para que esse “peso” não se funda com a sua identidade e o acompanhe por toda a vida. Não queremos que a Maria adulta fale de si como uma criança que sempre foi depressiva, ou que o João se refira a si próprio como o adolescente ansioso. Todos temos períodos na vida em que enfrentamos dificuldades, mas isso não nos define.
- Ajude a motivar para a mudança, acreditando que esta é possível – o aparecimento de sintomatologia de natureza depressiva ou ansiogénica não tem um carácter de cronicidade nem determinista. Pelo contrário, é possível mudar e fazer um caminho em direção a um estado de maior bem-estar. Uma criança ou adolescente deprimido e/ou ansioso não está “condenado” a ser um adulto deprimido e/ou ansioso.
- Estabeleça e mantenha uma boa relação com o seu filho, marcada pela aceitação, afeto e apoio, tentando responder de forma consistente às suas necessidades. Aceite o seu filho tal como ele é, mesmo quando não partilham das mesmas ideias. A expressão de afeto físico também é fundamental, com o natural respeito pelos limites do espaço individual.
- Envolva-se nos diferentes aspetos da vida do seu filho, se possível, partilhando algumas atividades ou interesses. Dedicar especial atenção a tudo o que se passa na escola é fundamental – não se preocupe apenas com o aproveitamento escolar, nesta fase da vida as questões de socialização e interação com pares são tão, ou mais, importantes. Procure saber quem são os amigos, como está na escola, esteja atento à utilização das redes sociais.
- Encontre tempo para conversar, de forma regular, demonstrando interesse genuíno por saber como o seu filho está/se sente, mostrando que se preocupa e estará sempre disponível quando quiser conversar, com respeito pelo seu tempo e privacidade. Mesmo no caso dos adolescentes que, frequentemente, evitam ou rejeitam o contacto, vai transmitir uma mensagem de disponibilidade e incondicionalismo. Quanto mais envolvido um pai estiver, maior será a probabilidade de notar mudanças no comportamento ou humor, sinais de alerta relevantes.
- Nestes momentos de partilha, procurar introduzir uma linguagem positiva e otimista, mostrando que formas de pensar negativas ou positivas têm influência sobre a forma como nos sentimos. Se notar verbalizações auto-derrotistas, aborde-o e ajude o seu filho a mudar – ao invés de “Eu nunca vou conseguir fazer isso!”, tentar dizer para si próprio “Eu vou conseguir fazer isto”.
- Sem prejuízo de tudo o que foi referido anteriormente, evite o sobre-envolvimento e sobre-proteção, querendo controlar tudo o que o seu filho faz, pensa e sente. Estes comportamentos são tidos como fatores de risco para a depressão e ansiedade, na medida em que o seu filho recebe a mensagem de que o mundo é um lugar perigoso.
- Dê especial atenção aos sentimentos e emoções do seu filho, ajudando a dar o nome correto a cada emoção, enriquecendo o vocabulário e a capacidade de associar comportamentos às respetivas emoções. Isto vai ajudar a que a criança não se sinta assoberbada por emoções fortes. Todos os sentimentos devem ser legitimados, incentivando a comunicação sobre eles, mostrando ao seu filho que é válido sentir-se como se sente e que a família é um espaço seguro para manifestar ou partilhar qualquer emoção. Evitar verbalizações invalidantes das emoções tais como “Porque é que estás a chorar como um bebé?” ou “És tão mariquinhas!”.
Quando chegar à adolescência, período que se caracteriza pelo aparecimento de muitas emoções, o que pode ser, por vezes, assustador, é ainda mais importante que esta aprendizagem tenha ocorrido e que os pais mostrem preocupação pela forma como os filhos se sentem, mesmo que em momentos de discórdia. Nesta fase é importante estar especialmente atento e, caso note que o seu filho está a experienciar uma emoção forte, fale sobre isso, dizendo, por exemplo “Pareces-me realmente zangado. Gostavas de falar sobre isso” ou “Pareces preocupado. Há algo que te esteja a inquietar?”. Se os pais demonstrarem empatia pelas emoções dos filhos vão ser modelos positivos de relação com as emoções – suas e dos outros – para a vida adulta.
Em caso de ansiedade:
- Se o seu filho se sentir inundado por emoções desagradáveis ou estiver ansioso, tentar manter a calma – isto é fundamental enquanto adulto/figura de segurança e modelo, transmitindo que o medo (ou outras emoções) são normais e que toda a gente as sente em determinados momentos.
- Tente ao máximo tratar a ansiedade do seu filho com paciência.
- Ajude o seu filho a perceber a importância de enfrentar os medos e mostre que se orgulha da sua capacidade para agir na presença da ansiedade – nunca faça verbalizações negativas quando a criança se sentir ansiosa ou com medo.
- Incentive o seu filho a começar a enfrentar aquilo de que tem menos medo, dando passos a caminho de uma, cada vez maior, capacidade de gerir a ansiedade. Recompense-o ou elogie-o pelas conquistas.
- Pode também ajudar o seu filho a implementar estratégias como a respiração abdominal, contar até 10 ou visualizar um lugar seguro, para gestão da ansiedade.
- Incentivar o estabelecimento de objetivos e a capacidade de resolução de problemas – Para aumentar a autoconfiança do seu filho, ajude a criar situações em que este possa pôr em prática as competências que já possui, ou desenvolver novas.
- Demonstre que confia no seu filho, atribuindo-lhe responsabilidades adequadas à idade e maturidade, num caminho em direção a uma, cada vez maior, independência. Encoraje-o a realizar tarefas que sejam desafiantes, mas não o obrigue quando sentir demasiada resistência. Ceda à tentação de fazer por ele, mesmo quando isso parecer mais fácil do que providenciar apoio e orientação.
- Num mundo que parece impor padrões de desempenho próximos da perfeição, com crianças e adolescentes a sofrerem desde muito cedo com as exigências escolares, a viverem atormentados com as médias, rankings e outros que tais, tente evitar que o mesmo suceda no contexto familiar. Sabemos que padrões rígidos de pensamento como o pensamento absoluto/”tudo ou nada” ou catastrófico (“se eu não conseguir ter média alta não vou conseguir entrar num curso que me permita ter um bom futuro”) tendem a estar na base de patologias. Neste sentido, é importante verificar a forma como a família encara e lida com os erros e, caso se note alguma rigidez, tentar normalizar as falhas – é normal errar, ninguém acerta sempre – e implementar flexibilidade.
É expectável que uma criança/adolescente erre e não tome sempre as melhores decisões. O importante é que saiba lidar da forma mais eficaz com as consequências que advierem das decisões menos boas. As crianças devem ser habituadas a enfrentar riscos adequados às suas idades e a serem confrontadas com tarefas mais difíceis, aumentando a sua capacidade de tolerância à frustração e de aprendizagem com os erros.
- Educar para a autonomia e promover o sentido de autoeficácia – mais do que dizer “eu faria da forma X”, confiar, e demonstrar que confia, nas capacidades do filho/a para lidar com as dificuldades, elogiando e reforçando positivamente qualquer conquista que seja feita, não importa a sua dimensão.
- Promover o desenvolvimento de relações com pares, demonstrando interesse por aquilo que o seu filho faz com os amigos e incentivando as atividades em conjunto, bem como o investimento em interesses e hobbies, que se sabe ser um fator protetor da saúde mental.
- Normalizar a preocupação – é pouco realista esperar que, sobretudo os adolescentes, se sintam calmos e relaxados perante o turbilhão de mudanças com que se confrontam. Quando se transmite, não obstante a melhor intenção, que o objetivo é alcançar a “calma”, vai haver um evitamento de tudo o que possa colocar em risco a tranquilidade, pelo que o seu filho se vai mover apenas na sua zona de conforto, sem que se criem oportunidades para que um sentido de auto-confiança se desenvolva.
- Evitar ou minimizar a existência de conflitos, proporcionando um ambiente seguro em casa. Sabe-se que a existência de ambientes com interações mais agressivas, sejam elas físicas ou verbais, é um fator de risco para a ocorrência de quadros depressivos e ansiogénicos.
Evite ao máximo responder ao comportamento do seu filho de modo negativo, recorrendo ao criticismo, desvalorização ou humilhação (por exemplo, ao invés de dizer “És tão desarrumado!”, dizer “Tens que arrumar todos os brinquedos antes de ir brincar para casa do teu amigo”. Sabemos que, frequentemente, o comportamento negativo de um filho tem como objetivo captar a atenção dos pais que, de outro modo, não estava a conseguir ter.
Neste âmbito, tente ser também um modelo na forma como gere conflitos, tentando permanecer calmo, sendo assertivo nas situações quotidianas – de que a condução é um bom exemplo – ensinando as competências de negociação e compromisso.
Deve ser, naturalmente, evitado todo e qualquer tipo de agressão ou comportamento violento.
- Não envolva o seu filho em problemas ou dificuldades que são dos adultos.
- Deve estabelecer regras e consequências consistentes (que não envolvam humilhação ou outras emoções negativas) e que encontrem unanimidade nos vários envolvidos na educação da criança, desde o mais cedo possível – quanto mais tarde as regras surgirem na vida do seu filho, maior resistência encontrarão. Quando o seu filho discordar de alguma diretriz, tentar perceber porquê (o que não equivale a ceder). Por mais que possa parecer o inverso, os adolescentes apreciam ter regras claras para seguir.
Também quando os comportamentos forem positivos, deve haver uma consequência em conformidade, que os recompense.
Também neste campo os pais devem ser um modelo, cumprindo regras e leis.
- Modere as expectativas sobre o desempenho da criança/adolescente nas diferentes esferas da sua vida, sobretudo nos períodos mais exigentes/stressantes, aceitando que este pode ficar aquém do potencial real quando a ansiedade ou depressão estão presentes.
- Planeie momentos de transição – por exemplo, demorar mais tempo a ir para a escola de manhã se a criança fica ansiosa nesta ocasião.
- Tente encontrar um equilíbrio entre ser flexível e manter uma rotina – a estabilidade e previsibilidade são essenciais quando uma criança/adolescente se sente internamente desorganizado.
- Promova hábitos saudáveis ao nível do sono, alimentação, atividade física e tempo passado frente a ecrãs, aumentando o sentimento de que o ambiente em que o seu filho habita é seguro, organizado e previsível. As crianças e adolescentes também precisam de tempo para descansar e que lhes permita “relaxar”/descontrair.
- O investimento na rede familiar e de suporte é fundamental para que os pais, não só não se sintam sós, como tenham também a quem recorrer se necessitarem de ajuda. Os momentos de convívio com a rede social constituem, igualmente, uma forma de expor os filhos a situações em que podem interagir com outros, em segurança. Os pais devem ser um modelo, ao manterem laços positivos e fortes com família e amigos. Quanto mais pessoas de referência uma criança tiver, maior será a probabilidade de que tenha com quem falar sobre as suas dificuldades.
Nos casos em que existem irmãos, é necessário ter em consideração que a vida destes também poderá ser afectada. Se considerarmos que, por exemplo e por via da ansiedade, uma criança pode não conseguir dormir bem, ir de férias, ou permitir que a família saia de casa de manhã a horas, constatamos que toda a dinâmica e funcionamento familiares ficam afetados. Os pais sentem-se, muitas vezes, “no meio dos filhos”, sem saberem a quem atender.
Em relação aos “filhos sem patologia”, os pais também se sentem frequentemente ambivalentes – por um lado compreendem as queixas dos filhos que consideram estar a ser injustamente afetados e, inclusivamente, muitas vezes privados da companhia e atenção dos pais; por outro, ficam também eles incomodados com as verbalizações que estes irmãos podem fazer em relação ao “irmão com sintomas” – “não gosto dele, é esquisito”, etc.. Nestes casos, os pais terão que conseguir impor limites – por exemplo, não permitindo ofensas entre irmãos – e, em simultâneo, validar os sentimentos de frustração.
É fundamental que os filhos percebam que a depressão e ansiedade não são culpa de ninguém e que o irmão que tem um destes quadros não está a retirar quaisquer benefícios da sua condição. A justiça pode, em alguns momentos, não ser equivalente a igualdade, porque há um filho que, de facto, necessita temporariamente de mais cuidado e atenção. O que os pais podem fazer é, sempre que possível, proporcionar aos outros filhos tempo a sós consigo ou com outros familiares e/ou amigos próximos.
Rita Fonseca de Castro
Psicóloga Clínica e Terapeuta Familiar
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