Sou conquistador!
Este é um texto sobre revisão do automóvel, ovos num cesto, fechar portas, abrir janelas e crescer.
“Já fui ao Brasil, Goa e Macau, já fui até Timor, já fui conquistador… Foram dias e dias e meses e anos no mar…”
Conhece esta canção? Tem alguns anos e foi com ela que os Da Vinci ganharam o festival da canção em 1989. Leva-me para o que são as nossas conquistas, vitórias, descobertas, mas essencialmente dias ou até anos de investimento, dedicação e esforço em projetos sejam eles pessoais, profissionais ou de vida. E quando os conquistamos? O que vem depois?
Pense num dos projetos a que se dedicou, que era intenso, emblemático, desafiante, entusiasmante e stressante e que chegou ao fim. Terminou o projeto, e depois? Qual foi a sensação? De satisfação, de gratificação, de vitória, de missão cumprida? E quanto tempo durou? Depois de tanto tempo de empenho, de “sacrifícios”, de envolvimento, o que veio a seguir? Foi uma sensação permanente ou só momentânea? Deu por si triste, vazio, inquieto, insatisfeito, sem saber como se ocupar? Quantas vezes essa sensação se arrasta e parece não se querer descolar do nosso corpo!
De que estamos a falar?
Podemos estar a falar de exaustão psicológica, de um vazio por uma perda ou ainda de uma transição difícil num processo de mudança.
Embora este processo possa acontecer quando alcançamos o objectivo de mobilar uma casa, lançar uma empresa, educar os filhos (já ouviu falar do ninho vazio), conquistar um cliente, concluir um projecto, hoje vou apenas focar-me no que acontece connosco a nível profissional.
O seu trabalho é intenso, desgastante, emocionalmente exigente, stressante e envolvente? A pressão é constante, os prazos são apertados, o descanso é reduzido, a exposição é elevada? Sabe que isto o pode levar ao desgaste e à exaustão? O entusiasmo, a energia iniciais e os “forças” pessoais desgastam-se e a sobrecarga constante pode fazer com que o trabalho deixe de ser tão gratificante como no início, e passe a ser penoso. Se viver, conviver e se focar exclusivamente no trabalho, na função que desempenha, que “leva para casa” e com quem se “deita”, as necessidades básicas como comer e dormir podem ficar comprometidas, os recursos pessoais esgotam-se e o bem-estar desaparece. Passa da paixão à exaustão! Como acontece com tantos de nós!
Colocou ”os ovos todos no mesmo cesto” e, agora, o cesto está vazio.
Quando nos envolvemos num projecto profissional somos confrontados com exigências emocionais elevadas (natureza profissional ou pessoal) e às vezes confronto de valores (quando não estamos alinhados com os da empresa) ou condições das fases de vida (se há uma parentalidade recente, morte de familiar, separação, …). Tudo isto pode ser excessivo e ter um impacto negativo se não conseguimos um distanciamento equilibrado, alternativas, atividades e relações que nos “carreguem as baterias” e nos criem recursos emocionais. Como em muitas outras situações de vida!
Os comerciais a quem se pede “agressividade “ na venda e objectivos apertados, os gestores a quem se pede uma liderança de pulso e de pressão sobre as equipas, os enfermeiros a quem se exige menos tempo com um doente do que gostariam , os professores a quem se exige muita burocracia podem estar também em conflito de valores e sujeitos a tensão e exigências exageradas.
E da paixão chegam à exaustão!
Estes são alguns dos factores que podem levar ao esgotamento profissional, ou Burnout (doença já classificada pela Organização Mundial de Saúde) que ocorre em situações de stress prolongado, que pode evoluir para perturbações de ansiedade e depressão e levar ao consumo de álcool, café, drogas.. como forma mais imediata de reduzir o cansaço, criar uma sensação de energia e anestesiar o mal-estar. E o Burnout é democrático, atinge profissionais em todas as áreas de actividade.
Quando não cuidamos do nosso carro, não fazemos as revisões, fazemos viagens longas e em aceleração, não asseguramos que o óleo, bateria e gasolina … estão nos níveis necessários e suficientes, o que acontece? O motor fica sem bateria, sem óleo, os alertas começam a aparecer e se não repusermos os níveis, o carro não anda e em situações extremas o motor pode gripar de vez. O que fazemos? Temos que o levar aos mecânicos numa oficina para que o carro volte a andar.
Quando colocamos os “ovos todos no mesmo cesto” (o cesto profissional), e nos esquecemos atender a aspectos básicos como comer e dormir, nos dedicamos à profissão de forma intensa e continuada com isolamento, nos privamos de actividades lúdicas e de prazer, comprometemos o nosso equilíbrio físico e emocional, e também a nossa “máquina pode gripar”. O que fazemos… procuramos ajuda de profissionais de saúde que ponham a nossa máquina a andar de novo. Quanto tempo depois? Depende do estrago!
Mas podemos olhar para o fim de um projecto como uma perda.
Perda de significado, perda de uma actividade gratificante, de uma rotina, de um desafio, de um sonho, de uma identidade.
As reacções a uma perda significativa, o luto, são habitualmente de tristeza, de vazio, de irrealidade, de zanga e até de medo de uma nova realidade. Quem sou eu sem aquele projecto? O que faço agora com o meu tempo? Onde está o reconhecimento e o desafio diários? E afinal, quais eram as atividades de lazer por que tanto ansiava? E se não surge um novo projecto? E se o novo projecto não tem o êxito do que terminou? O luto é um processo, uma travessia, um percurso. Há que aceitar e permitir a expressão das diferentes emoções e não evitar as questões mais desagradáveis. É nestas alturas que, para as evitar ou afastar, podem surgir hábitos não saudáveis como fumar ou beber em excesso.
Quando se perde algo significativo há sempre a sensação de perda de uma parte de nós. Parece que há um espaço vazio e perdido que pode permanecer assim, ou dar oportunidade a novos significados, a novas transformações. Não se fica igual depois de uma perda, há sempre diferença, há transformação. Para alem disso muitos de nós iniciámos projectos profissionais muito cedo e a duração do trabalho acompanha e modela o nosso crescimento, identidade e maturidade. E quem somos nós sem o trabalho?
O trabalho foi intenso, desafiante, entusiasmante , cansativo mas recompensador e gratificante. Só que … chegou ao fim e a vida mudou.
Como dizia o Camões :
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudanças
Tomando sempre novas qualidades!
Como lidar com esta mudança? Como recomeçar depois de um trabalho que ocupou, moldou e se impôs na nossa vida, na nossa forma de estar e ocupou o tempo e até o nosso olhar sobre nós e a vida. A Mudança precisa de um período de Transição para que a transformação em novas qualidades aconteça.
É preciso fechar uma portas para poder abrir outras janelas.
A Transição é o processo psicológico de aceitar e integrar as novas condições e detalhes que vêm com a mudança. Pode ser um processo doloroso, mas é absolutamente necessário e leva o seu tempo. A Mudança é um teste à resiliência, preserverança, criatividade, mas muitas vezes à capacidade de resistir ao medo de falhar. É preciso tempo para enfrentar a Mudança e as suas repercussões. Para que se consiga ganhar consciência daquilo que verdadeiramente energiza e motiva, e dar os passos necessários a um novo recomeço. Quando acaba uma fase e uma nova ainda não começou entra-se numa zona caótica e confusa que pode ser um tempo de “breakdown” ou de “breakthrough”, de desagregação ou de avanço. A Mudança causa stress e testa a capacidade de gerir o novo, de integrar o que é diferente, de reformular e de readaptar a vida. A Mudança existe quando nasce um filho, quando se muda de emprego, quando se fica desempregado, quando se casa, se divorcia… . Em cada mudança há oportunidades e constrangimentos. Quem não assistiu ao stress de casal recém pais ? Felizes pelo novo bebé mas a ter simultâneamente que lidar com a “perda” de uma vida com mais “liberdade” e menos responsabilidade. A passagem da vida de estudante para a vida profissional traz o entusiasmo da aplicação dos conhecimentos que se aprendeu, de um primeiro ordenado e independência económica e implica simultâneamente uma vida com novas regras, horários e responsabilidades. Traz oportunidades mas também novos e diferentes constrangimentos. E a adaptação a esta mudança implica uma transição, uma adaptação psicológica.
Os problemas, constrangimentos acontecem normalmente não pela mudança em si mas pelo processo de transição e integração das novas condições de vida.
Para prevenir a exaustão psicológica, o vazio por uma perda ou uma transição difícil num processo de mudança feche portas e abra janelas. E depois? Vá procurar novas conquistas!
Para si Conquistador…
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