Terá sido má sorte?
– artigo inspirado num caso real –
Ela vivia para si mesma, dentro do seu mundo afetivo repleto de vivências conscientes, beleza e leveza… até ao dia em que encontrou um olhar intenso, aquele que a lembrava de todos os seus grandes amores. O flashfoi mútuo e o estômago ora se encolhia ora se expandia, uma borboleta gigante tinha nascido.
Após ter captado cada segundo do seu rosto e acarinhado cada centímetro das suas bochechas, ofereceu-lhe o seu primeiro beijo consciente.
(Partes de um corpo e de uma alma mascarada de um ego destrutivo e um coração repleto de espinhos e feridas).
Ela sabia-o, colocou-se na disposição de retirar cada espinho com a sua dedicação, de sanar cada ferida com a sua doçura mas em troca recebia desconfiança, possessividade, culpabilização, abandono intermitente e agressividade. Estava numa relação sem reciprocidade, numa dinâmica de dominação absurda em que a razão do outro prevalecia acima de qualquer coisa, uma ausência de empatia que bloqueava qualquer diálogo construtivo.
O limite foi sentido no corpo. Várias manifestações físicas surgiram como um último aviso.
Terá sido má sorte ou uma escolha?
Acredito que neste caso, houve uma escolha, sim. A questão seguinte é descobrir quem escolheu?
A opção inicial de estar numa relação desta natureza foi inconsciente e proveniente da parte mais ferida e danificada do seu Ser. Com o passar do tempo, fruto da manipulação e da dinâmica instalada, ficou cada vez mais difícil sair da mesma.
O desgaste emocional, a dissociação cognitiva e a natureza do duplo vínculo gerado (hoje amo-te e daqui a 10 minutos odeio-te), provocaram-lhe uma ruptura tremenda no sistema de proteção emocional. A pessoa quer sair mas tem a sensação que a porta está selada. Não se trata de masoquismo, nem de ausência de inteligência. Trata-se de um trauma complexo relacional onde todo o sistema de apego fica corrompido.
Quando se magoa numa relação e não transmuta estes sentimentos, tende a carregar o conteúdo disfuncional para a próxima. É como se existisse um programa no seu interior que atrai pessoas que ativam as suas feridas ou se por acaso atrai alguém diferente, amoroso, para promover o seu crescimento vai arranjar forma de distorcer a realidade pois está viciado no ciclo de dor.
Não dá para fugir, as feridas são revividas até conseguir lidar com a dor para que consiga superá-la. Só podemos curar algo que vimos e sentimos, se continuar escondido, anestesiado não damos conta, só com o surgimento de uma doença física e/ou mental.
Então, como conseguir sair deste ciclo de escolhas disfuncionais?
Atráves da lente do amor próprio. Imagine que tem à sua disposição vários pares de óculos. Habitualmente coloca sempre os mesmos, pois consegue ver a realidade naquele tom de azul espectacular mas que a ilude. E porque não escolher os óculos com a lente castanho claro? Uma lente mais transparente de tom terra que o transporta para a sensação “pés-no-chão”.
Nos meses seguintes, ela percebeu que a pessoa errada teve a função de a colocar no caminho mais adequado ao seu propósito afectivo: recusar a eterna espera em ser compreendida e aceite para que uma relação funcione (não importa o quanto ame, a pessoa não muda quem é). Recusar-se moldar aos padrões rigidos de alguém para caber no seu mundo dominador (nunca irá retribuir o seu amor porque tudo tem de girar em seu redor). Recusar contato com pessoas desistentes e inconstantes.
O seu subsconsciente gravou a lei do amor segundo Stendhal “Só existe uma lei no amor; tornar feliz a quem se ama.”
E só quem se ama, quem se trata com respeito, honrando os seus sentimentos e necessidades, é quem tem condições para iniciar a jornada de um amor de mão dupla.
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