Só chegou agora? Ainda vem a tempo. Isto podia ser o maior espetáculo do mundo, mas resume-se ao mais escondido espetáculo do mundo.
Não sei se está preparado, porque eu quando acordei esta manhã também não estava. Preparado para quê? Para a minha viagem ao mundo que está para lá do que os olhos alcançam. Juro que não tem nada de espiritualidade, nem misticismo. É assim.… hmmm… como posso fazer-me entender? Estranho? Esclarecedor? Apaziguador? Assustador?
Bom, veja por sua conta e risco. Risco mínimo, apenas o suficiente para que esta história banal se revele, diria, iluminada?
Lembre-se da última pessoa com quem falou antes de começar a ler este artigo. Sim, pode ter sido alguém com quem se cruzou fugazmente ou alguém que vê todos os dias. Tente apenas reter a sua imagem mental dela e tudo o que encontra como possível que a caracteriza.
Sabe o que a apoquenta? Será que ela está bem ou sofre? Que esforço diário é que ela faz para superar a vida como se apresenta? O que esconderá ela de si? O que lhe mostrará a si?
Todas estas perguntas que lhe faço surgem na sequência do que me está a acontecer ao longo do dia. E eu ainda estou para perceber donde é que isto veio…!
Resumindo, eu oiço pessoas. Não está a perceber. Oiço-as lá dentro. Pois! E comecei a perceber que algumas estão a viver problemas muito semelhantes… e não sabem! Acham que só elas é que pensam, sentem e agem daquela maneira.
Neste momento, o que mais me aflige é sentir que não as consigo ajudar. Só observar.
Faça-me um favor, venha lá comigo e veja lá se reconhece esta Sofia que vamos conseguir ouvir. É que eu sou só um narrador-personagem neste artigo, certo?
A Sofia
[Sofia na cama sem conseguir dormir]
Grunf. 4:00 da manhã e continuo acordada. Mas porque é que eu não consigo dormir nestes últimos dias? Que irritação! Claro, e agora vai ser mais uma voltinha, e ainda outra, nestes lençóis que já me picam. Caramba, como é que é possível na amanhã ir dizer duas direitas… já para não falar desta cara que parece uma papinha. Hum…Papinha, a sério que usaste essa palavra?
A esta hora da madrugada não perdoo uma. Só sei que o cérebro começa a debitar a uma velocidade alucinante:
– E se a apresentação de Quarta-feira for um fiasco?.
-Sim, preparei a lancheira com aquele restinho de salada de atum.
-Sim, combinei com o João que sou eu a levar o António logo de manhã.
-E se o António fizer fita? O que faço aqueles olhinhos tristes depois de passar o portão? Já sei que me vão parar o coração durante mais minutos do que qualquer mãe deveria estar autorizada a suportar.
Esta madrugada em branco está um mimo.
[Alarme toca]
Ahhh!!! O despertador. Já?! Ai, a sério. Voa Sofia e começa a manhã a pairar. Estou de rastos. Não quero! O tempo, sempre os ponteiros monótonos do relógio a sussurrarem-me que estou atrasada, que não vai dar, que o trânsito me vai reter, que é Segunda-feira e que…
[Entra no banco onde trabalha]
Já cheguei ao banco. E, lá está… como previa… Sou a única que chegou enrolada dentro de uma máquina de lavar roupa. Todos os outros já aparecem passados e engomados. Como é que às 8:30 da manhã esta tipa tem um cabelo destes e um sorriso radiante? Bandida. Aquela saia é uma tara.
Por muito que me preocupe as coisas não me saem assim tranquilas e elegantes.
A cada cliente que se senta à minha frente na secretária surge uma oportunidade para divagar enquanto eles estão a falar. Normalmente, perdida nas histórias de algibeiras vazias acho que não faço assim tanto por mim. Depois debato-me com esta ideia. Sim, eu faço coisas por mim, mas porque é que não chegam? Porque é que me preocupo e disperso e não me foco? Devo estar passada.
Sim, só me faltava esta. A apresentação para a reunião de Quarta-feira está em águas de bacalhau e o meu diretor veio agitá-las em espalhafato fenomenal. E o que tenho são mais slides por fazer do que feitos, imagino aqueles olhos todos pregados em mim e eu a dizer algum disparate, ou pior e se não me sai nada? Assim, sem mais nem menos, porque vou estar pensar sobre tudo. Ou, sobre nada.
[Depois de sair para almoço e voltar]
Isto depois do almoço a pachorra é do tamanho de uma agulha.
São poucas as que perdoo. Agora vem-me este anormal da informática querer saber como correu o meu fim-de-semana a arrastar a asa porque me vê estoirada. Sim, as coisas com o João tremem um bocadinho, mas o terramoto ainda não chegou. Será que tenho carente escrito na testa?
Bom, back to work now.
Ui, agora tenho esta a querer crédito para a casa e pergunta-me (só a mim…) se o filho vai reagir bem à mudança de escola? E acaba de me confessar que tem medo que o marido não a apoie totalmente nesta mudança. Hem? E também não sabe se vier a ficar doente, no futuro, como é que poderá continuar a pagar a prestação. Mas há alguma coisa com que esta mulher não se preocupe, caramba?
[Final do dia de trabalho]
Esta secretária transforma-se todos os dias numa montra de manequins preocupados, cansados, radiantes, esquisitos, chatos, sedutores. Ter este privilégio acarreta uma factura pesada. Fico farta. Estou farta. Nem sei porque lhe chamei privilégio: trabalho com pessoas, mas nem sempre as consigo ouvir.
Hoje fecho o computador e penso. Preocupada. Cansada. Farta.
Ao ter acesso a este pequeno pedaço do dia desta mulher surgem-me tantas ideias e, no caso da Sofia, podemos estar perante um caso de perturbação de ansiedade generalizada. Pois, eu sei, parece a conversa interna que qualquer um de nós poderia ter. Mas, na realidade, ela tem indicadores clínicos claros no caso de:
- Preocupações persistentes, sobre vários assuntos da sua vida dos quais tem dificuldade em se abstrair. Ou seja, em vez da preocupação habitual que temos com um assunto, mas que não nos absorve completamente, a Sofia pode ter um processo de preocupação persistente sobre vários temas e quando quer focar a sua atenção num assunto, tem mais dificuldade.
- Apresenta um cansaço pronunciado e irritabilidade.
- Apesar de não termos visto no diálogo interno, o seu corpo tem sempre bastante tensão muscular e as costas doem-lhe frequentemente.
- Apresenta uma perturbação do sono, porque vimos que apresenta insónia intermédia, ou seja, acorda várias vezes durante a noite.
Assim, todos nós que aparentemente estamos bem sabemos que… a conversa do lado de dentro é outra!
Estou aqui para si, se quiser saber mais sobre estes temas de preocupação excessiva e perturbação de ansiedade generalizada.
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