Em 1999 numa entrevista à BBC, David Bowie, famoso pelo pioneirismo e irreverência no mundo musical, partilhou a sua visão acerca da internet. Referiu-se à mesma como algo incrível e assustador. “Mas não é apenas uma ferramenta?” Perguntava o jornalista Jeremy Paxman. “Não. É uma vida extraterrestre. Há vida em Marte? Acabou de aterrar.”
Bowie tinha já em 1996 utilizado a internet para vender o seu single “Telling lies”. O cantor tinha uma noção alargada daquilo que este novo veículo de informação faria, como a sua existência iria para sempre moldar a nossa.
Tinha razão. Agora em 2023, é-nos difícil perceber a nossa vida sem a internet, sem um smartphone, sem aplicações ou redes sociais, sem meios de pesquisa. A expansão do mundo digital mudou para sempre o contexto em que vivemos.
As mudanças continuam a existir e, continuam cada vez mais, a ter um impacto inegável na maneira como conduzimos o nosso quotidiano. Um dos maiores catalisadores destas mudanças, é sem dúvida, as redes sociais.
A quantidade de informação a que estamos expostos hoje em dia, é muito distinta daquela a que estávamos expostos antes do aparecimento da internet. A nossa atenção diminuiu em vários segundos por influência desta nova realidade digital.
Influência da internet no cérebro
A Associação Americana de Psicologia, concluiu que a sobrecarga de informação e utilização de tecnologia, danifica os sistemas do cérebro que ligam o processamento das emoções, a nossa atenção e tomada de decisão. Há inclusive, uma correlação positiva entre a ansiedade, depressão, ideação suicida e o uso de smartphones e outros objectos digitais.
Como utilizadores de tecnologia na era digital, estamos todos sujeitos à influência das redes sociais na nossa vida. Mesmo que não queiramos, a não ser que nos desliguemos por completo de qualquer veículo de informação e comunicação, vamos ser influenciados pelo contexto digital em que vivemos.
Estamos longe de nos tornar ermitas e, embora possa parecer uma alternativa viável, é-nos difícil, mesmo difícil escapar. Claro que nem tudo é distópico, no entanto, por muito que não queiramos, alguns dos males da internet, desta vida alienígena que aterrou e que continuará a desenvolver-se, chegaram para ficar.
Os efeitos das redes sociais
As redes sociais tiveram e continuam a ter uma influência na maneira como comunicamos e prestamos atenção às coisas. Uma percentagem superior a 69% de adultos e 81% de adolescentes utilizam as redes sociais diariamente, sendo que 90% desses adolescentes, passam mais de 4 horas por dia junto das mesmas.
As várias aplicações que temos nos nossos smartphones, estão constantemente a competir pela nossa atenção. A investigação mostra que, as redes sociais, nesta competição desenfreada pela nossa atenção e por conteúdo novo que nos mantenha alerta, tem levado a uma redução da nossa performance cognitiva e reduz as partes do cérebro associadas à capacidade de concentração.
Os efeitos das redes sociais, contudo, não se cingem apenas a isto. Há estudos que mostram o impacto devastador das redes no conteúdo das nossas memórias, na recordação e na manutenção das mesmas.
O paradigma na génese da construção destas redes, assenta na adição, cada like, upvote ou comentário positivo leva a um pequeno pico de dopamina no cérebro que nos conduz a querer, cada vez mais, “postar”.
Leva-nos também, inevitavelmente, à comparação, a idealizar a vida que transparece nas redes sociais como o modelo que devemos seguir nas nossas. Muitas vezes, acabamos por olhar para o que vemos no nosso feed como se de um reflexo se tratasse e, qualquer impossibilidade de corresponder a isso deixa-nos a sentir insatisfeitos.
Os conteúdos das redes sociais e a rapidez com que surgem, permite que estejamos sempre num constante processo de interacção, a mudança acontece de modo instantâneo e molda a nossa relação com o quotidiano, incentivando-nos também a apresentar o nosso self-ideal nas redes.
Há um impacto claro na maneira como conduzimos o nosso dia. A internet e as redes sociais vieram operar uma clara mudança na nossa existência. E, ao mesmo tempo que podem ser catalisadores de dinâmicas sociais que permitam unir as massas sob uma causa, podem também deixar-nos pregados ao ecrã durante horas a fio, esquecendo tudo.
(Des)Stressar nas férias
Podemos perguntar-nos se não estamos apenas a ser alarmistas, no entanto, se analisarmos as evidências apresentadas, notam-se o impacto das redes sociais e da internet na nossa vida. Aliás, se pensarmos sobre estes efeitos e considerarmos, por exemplo, os momentos em que deveríamos objectivamente parar, não o fazemos por consequência das redes sociais.
Num contexto de férias, onde o stress devia ser deixado para trás, muitas vezes, estamos atentos às nossas notificações, aos e-mails, ao feed das nossas várias redes sociais. Fazemos uma pausa do nosso trabalho, mas continuamos num outro trabalho, um part-time voluntário de 3-4 horas diárias.
Abandonamos o nosso trabalho, que hoje, por vezes, significa olhar para um ecrã durante várias horas e, trocamo-lo por outro, onde olhamos para um ecrã ainda mais pequeno durante várias horas.
O algoritmo das redes sociais, perpetua o ciclo da nossa adição às mesmas, vamos estar de férias, a tentar responder-lhe, a tirar fotos para colocar no Instagram, a fazer vídeos para o Tiktok, a gerar conteúdo para obter aquele pico de dopamina.
O stress de não estar a corresponder continua, até quando devíamos parar. De repente, a vida extraterrestre que Bowie tinha previsto e, em 1999 tinha acabado de aterrar, hoje governa-nos por completo.
Portanto, da próxima vez que estiver de férias, pense na possibilidade de reduzir o seu contacto com aparelhos digitais.
- Tente limitar a utilização das redes sociais a 30 minutos por dia.
- Utilize aplicações que bloqueiam o uso do telemóvel caso o exceda.
- Deixe os seus aparelhos longe de si, quando sentir a necessidade de lhe pegar, experimente só estar consigo durante 15 minutos, talvez sair e dar um passeio curto
Vamos reconquistar o tempo que nos está a ser roubado.
Referências
Izadinia, Nasrin & Amiri, Mohsen & Jahromi, Reza & Hamidi, Shabnam. (2010). A study of relationship between suicidal ideas, depression, anxiety, resiliency, daily stresses and mental health among Tehran University students. Procedia – Social and Behavioral Sciences. 5. 1615-1619.
Neuline Health. (n.d.). How Social Media Affects Your Brain. Retirado de https://neulinehealth.com/how-social-media-affects-your-brain/
American Psychological Association. (n.d.). Social Media Research. Retirado de https://www.apa.org/members/content/social-media-research
Tamir, D. I., Templeton, E. M., Ward, A. F., & Zaki, J. (2018). Media usage diminishes memory for experiences. Journal of Experimental Social Psychology, 76, 161–168.
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