Vou pedir-lhe para experimentar um exercício: independentemente daquilo que acontecer não pode pensar num elefante cor-de-rosa!
Foi fácil? Conseguiu? Ou pensou imediatamente nele? A minha experiência tem-me demonstrado que a partir do momento que digo para não pensar neste elefante, torna-se quase automático para as pessoas pensarem nele. Imagine agora que não conseguia parar de pensar numa mesma ideia, frase, imagem, situação, durante várias horas ou até a maior parte do seu dia. Imagine que parecia impossível parar de pensar em algo que simplesmente apareceu na sua mente e não desapareceu, como um estranho que apareceu em sua casa sem ser convidado e que agora se recusa a sair. Este tipo de pensamentos involuntários, repetitivos, indesejáveis e associados a sensações desagradáveis, chamam-se pensamentos intrusivos e são uma causa de sofrimento psicológico para muitas pessoas, contudo, para alguns de nós podem ser especialmente complicados de lidar.
Se a descrição destes pensamentos lhe parece familiar é porque tende a existir na forma das conhecidas obsessões, de quem desenvolve perturbação obsessivo-compulsiva, pois nesta perturbação as obsessões são precisamente pensamentos intrusivos, recorrentes e que causam mal-estar muito significativo na vida das pessoas. Estas, por sua vez, geram compulsões, que são comportamentos com vista a conseguir controlar ou acalmar a ansiedade e medo associadas aos pensamentos obsessivos, os quais acabam por apenas reforçar o aparecimento dessas obsessões a longo prazo. Há vários aspetos que podem contribuir para o aparecimento desta perturbação, assim como destes pensamentos. Há inclusivamente diversos estudos que associam o aparecimento e a severidade da perturbação obsessivo-compulsiva, e consequentemente de pensamentos intrusivos sob a forma de obsessões, à maior ocorrência de episódios de trauma ou experiências adversas de abuso ou negligência emocional na infância dos indivíduos. Esta associação pode não parecer óbvia, mas é essencial relembrar que um dos aspetos mais comuns e característicos de experienciar eventos traumáticos quando somos mais novos, são as imagens e pensamentos intrusivos que possam surgir recorrentemente na mente de quem os vivenciou, causando desconforto intenso e por vezes incapacitante.
A natureza incessante e involuntária dos pensamentos intrusivos torna muito difícil o seu controlo e eliminação da nossa mente. Isto é particularmente complicado para pessoas cujos pensamentos intrusivos relembram experiências aversivas que vivenciaram na sua infância, pois podem originar episódios de intensa ativação física e emocional, provocando elevados níveis de stress, como se a pessoa estivesse de volta na situação ameaçadora inicial. Uma nota importante a deixar consigo é a de que, apesar da natureza incontrolável e invasiva destes pensamentos, existem formas de ajudar a reduzir os sintomas que têm sido consideravelmente estudadas ao longo dos anos, para ajudar indivíduos com perturbação de stress pós traumático, perturbação obsessiva-compulsiva, entre outros. Algumas medidas que pode tentar implementar para tentar lidar com os seus pensamentos ou imagens mentais intrusivas são:
- (Re)Identificar: o primeiro passo que deve tomar é questionar-se sobre as características dos pensamentos que está a ter. São voluntários? Identifica-se com a mensagem que contêm? Consigo tirá-los da sua mente? Duram consideravelmente mais tempo que outros pensamentos que tem? Trazem consigo uma sensação de ansiedade, medo ou de que algo mau vai acontecer? Se a resposta à maioria destas questões for sim, então é provável que esteja na presença de pensamentos intrusivos. Mas porquê identificar e que vantagens trará este exercício? Usando o exemplo da perturbação obsessiva-compulsiva, o cérebro de quem vive com esta perturbação – e os pensamentos intrusivos característicos dela – é como se fosse uma televisão que ficou presa num determinado canal e não consegue mudar para outro, porém a razão de não mudar é por ser incrivelmente difícil contrariar o nosso cérebro e não porque não está a tentar.
- (Re) Atribuir: como em qualquer situação da nossa vida, saber o nome do nosso problema é de extrema relevância, contudo, a identificação de que algo nos está a afetar, por si só, não é suficiente para resolver o assunto. Isto leva-nos à importância de atribuir estes pensamentos ao nosso cérebro e não a nós próprios, pelo simples facto dos pensamentos intrusivos serem incessantes e o seu aparecimento incontrolável. Experimente começar a dizer “Não sou eu. É o meu cérebro!”.
- (Re) Focar: infelizmente não podemos controlar se estes pensamentos aparecem ou quando aparecem, mas devido à natureza adaptável do nosso cérebro, podemos – com muito esforço e perseverança – alterar a forma como reagimos e aquilo que fazemos em resposta a estes pensamentos. O objetivo é que consiga fazer outra atividade, preferencialmente algo que goste, para tirar o foco destes pensamentos e colocá-lo em algo que seja palpável e que possa fazer. Usando o exemplo anterior, será como se estivesse a reparar o comando da televisão para conseguir mais facilmente trocar de canal e ver um programa que queira. Note que isto significa distrair-se de pensamentos inimigos e não evitá-los, pois ao identificar que são pensamentos intrusivos e atribuindo-os ao seu cérebro, já está a confrontar-se com eles, sendo este último passo no sentido de ajudá-lo a ter algum poder de volta nas suas mãos.
Estes pensamentos não são pêra doce e são difíceis de lidar, quer por sentirmos que nos fazem lembrar traumas passados ou sensações que não queremos experienciar novamente, quer pelo facto de poderem ser uma peça de um puzzle de sintomas constituintes de uma perturbação mental com a qual estejamos a lutar. Por isso, espero que estes passos lhe sejam úteis na gestão destes pensamentos, mas nunca se esqueça, que se lhe causarem desconforto significativo e sentir que estão a interferir de forma disruptiva na sua vida, estaremos sempre ao seu dispor na Oficina de Psicologia.
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Destree, L., Brierley, M. E. E., Albertella, L., Jobson, L., & Fontenelle, L. F. (2021). The effect of childhood trauma on the severity of obsessive-compulsive symptoms: A systematic review. Journal of psychiatric research, 142, 345-360.
Lochner, C., du Toit, P. L., Zungu‐Dirwayi, N., Marais, A., van Kradenburg, J., Seedat, S., … & Stein, D. J. (2002). Childhood trauma in obsessive‐compulsive disorder, trichotillomania, and controls. Depression and anxiety, 15(2), 66-68.
Mathews, C. A., Kaur, N., & Stein, M. B. (2008). Childhood trauma and obsessive‐compulsive symptoms. Depression and anxiety, 25(9), 742-751.
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